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Foto do escritorGustavo Martins de Almeida

TAQUIGRAFIA, ASSEMBLEIA CONSTITUINTE DE 1823 E O STF

A motivação deste artigo surgiu da recente visão da mesa de taquigrafia do Supremo Tribunal Federal, que apesar de não mais cumprir sua função, permanece no local a ela destinado no plenário do STF. Em minha primeira visita a Suprema Corte, em 1981 testemunhei o trabalho das taquígrafas na anotação de debates e votos.
















 


A breve retrospectiva a seguir integra um foco de minha pesquisa habitual; as transformações sociais e jurídicas que decorrem da evolução tecnológica.


Taquigrafia, ou escrita rápida, é o método de escrita através de sinais utilizado para rápido registro de textos falados, como discursos e debates. Sua história remonta a Grécia Antiga, passa por um período de esquecimento e no séc. 16 é retomada, se aperfeiçoando daí em diante. No Brasil foi utilizada desde a Colônia, até final do séc. XX.

 


Assembleia Constituinte de 1823


Para registro dos trabalhos da Assembleia Constituinte do Império, realizados entre 1823 e 1824, foram contratados serviços de taquigrafia, sem os quais não poderiam ter sido registrados e reproduzidos os intensos debates realizados. O método de trabalho foi minudentemente explicitado, sendo de se destacar que:


Ao longo dos trabalhos é comum ocorrer, devido ao vozerio e rapidez dos discursos - como informou, em conversa com o autor, o Mestre em História, Prof. Arno Wehling - registros de impossibilidade de audição, como o seguinte:

,

 

Mas graças ao trabalho dos “tachygraphos” foi possível editar os Annaes da Constituinte, disponíveis no site do Senado Federal (https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/222325). Aliás, no próprio Senado havia a regulamentação do trabalho dos “tachygraphos”, que abrangia, conforme o Regulamento:

 


 

Discurso proferido por Rui Barbosa em 05.6.1902 no Congresso Nacional, acerca do mandado de manutenção, “Oposição do Poder Executivo em Cumprir uma ordem do Poder Judiciário” só foi possível ser transcrito por sua “tradução taquigráfica”, como constou das “Obras Completas de Rui Barbosa” Discursos Parlamentares (vol. XXIX, t. V)[1]:


p.45

 E mais adiante:


p.82

 

Em 1912 foi fundada a escola Remington de datilografia e taquigrafia, que sobreviveu até recentemente. Veja anuncio do Jornal do Brasil, publicado em 1940:


 

 

 

 

 

STF

Sucedendo o Supremo Tribunal de Justiça do Império[2], o Supremo Tribunal Federal, no período da República, foi criado pelo Decreto 510, de 22.6.1890[3] e teve seu primeiro Regimento Interno em 1891, dele constando, no art. 49:


“Art.49. É facultado ao relator ou ao juiz que houver de redigir a sentença levar os autos para apresentar a redigida na sessão imediata ponto em todo o caso ela só será lançada nos autos pelo secretário depois de aprovada a redação e qual a data do dia em que foi proferida.”

 


Naquela época a redação dos votos para julgamento nas sessões, sua transcrição para os autos e a remessa para o Diário Oficial correspondiam a três atos isolados de escrita manual. Sobre a história da redação de acórdãos no STF, recomenda-se a leitura da primorosa tese de Guilherme Forma Klafke, Continuidade e Mudanças no Atual Modelo de Acórdãos do STF[4].


 

Posteriormente, o Decreto 19.656 de 1931, pelo qual Getúlio Vargas “Reorganiza provisoriamente o Supremo Tribunal Federal e estabelece regras para abreviar os seus julgamentos”, estipulou:

 

Art. 6º Os relatórios, discussões e votos, em cada julgamento, serão taquigrafados, e redigidos convenientemente juntando-se aos autos respectivos cópia, que o relator reverá, rubricando-a, e a ela se reportando no acordão que, a seguir, lançará, manuscrito ou datilografado, assinando com o juiz que tiver presidido o julgamento.


            Parágrafo único. Os demais juizes só assinarão o acordão se o pedirem.


 

Durante anos o STF se utilizou das notas taquigráficas para a redação de acórdãos e registro de debates dos Ministros, como se vê nos seguintes, o primeiro de 1942, sob a Presidência de Laudo de Camargo, e o segundo, sobre a fonte de interpretação, curiosamente relatado por Carlos Maximiliano em 1940:











...........................................

Relator(a): Min. CARLOS MAXIMILIANO

Julgamento: 29/10/1940

Ementa

No caso de divergência entre o acórdão lavrado e o que

informa as notas taquigráficas, é a estas que se prefere.

 

 


Por vezes ocorriam falhas, como nesse julgamento de 1951:


                                   Órgão julgador: Segunda Turma

Relator(a): Min. AFRÂNIO COSTA - CONVOCADO

Redator(a) do acórdão: Min. ROCHA LAGOA

Julgamento: 10/04/1951   Publicação: 25/10/1951

Ementa

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM FUNDAMENTO EM DIVERGENCIA

JURISPRUDENCIAL. EXCEPÇÃO DECLINATORIA FORI. DEVE SER

PACTUADA DE MODO INEQUIVOCO A ELEIÇÃO DE FORO DIVERSO DO LEGAL.

Decisão

Suprindo omissão das notas taquigraficas, ficou declarando que o

 recurso foi conhecido contra os votos dos Exmos. Srs. Ministros Orozimbo Nonato

e Lafayette de Andrada, e desprovido contra os votos dos Exmos. Srs. Ministros Relatôr e Edgard Costa.

 


No atual Regimento Interno do STF constam as várias alterações feitas pela Emenda Regimental 26, de 22.10.2008[5], que suprimiu a taquigrafia como forma de registro de atos:


O Regimento Interno do STF prevê a transcrição “da discussão, dos votos orais” (RISTF art. 96), mas as sustentações orais não são transcritas.

O fato é que os Tribunais brasileiros, com a chegada das gravações em áudio, e depois com as gravações audiovisuais e transmissões on line, praticamente aposentaram as notas taquigráficas.

No entanto, o Código de Processo Civil atual não desprezou a taquigrafia, expressamente referida nos arts. 210, 460 e 944:

 

 Art. 210. É lícito o uso da taquigrafia, da estenotipia ou de outro método idôneo em qualquer juízo ou tribunal.

..............

Art. 460. O depoimento poderá ser documentado por meio de gravação.

§ 1º Quando digitado ou registrado por taquigrafia, estenotipia ou outro método idôneo de documentação, o depoimento será assinado pelo juiz, pelo depoente e pelos procuradores.

...............

Art. 944. Não publicado o acórdão no prazo de 30 (trinta) dias, contado da data da sessão de julgamento, as notas taquigráficas o substituirão, para todos os fins legais, independentemente de revisão.

 


Desde 1966, ao menos, na sede de Brasília, consta a mesa de taquigrafia, como se vê nessa fotografia de 1966, do plenário do Tribunal[6].




No julgamento do impeachment da então Presidente Dilma Rousseff a taquigrafia ocupou seu lugar[7]:


 

 

Hoje, a mesa serve de suporte para o monitor de vídeo do Presidente, mas as cadeiras das taquígrafas e taquígrafos continuam em sua posição de origem. Por ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 2007, o prédio do STF não pode ser alterado, segundo informa o site do STF [8]

 

O STF vai se modernizando, mas os móveis, como as icônicas poltronas de espaldar alto, desenhadas pelo designer Jorge Zalzuspin, lá permanecem[9].

O fenômeno de relativa perda de utilidade de bens em decorrência da evolução tecnológica se verifica com a mesa das taquígrafas, não mais utilizadas, pois a gravação sonora – e agora audiovisual -  dispensou a transcrição das falas dos Ministros durante os julgamentos, assim como as máquinas datilograficas foram substituídas por máquinas  impressoras.

É o fenômeno da ressignificação dos bens e conceitos, que cada vez mais se acelera no mundo contemporâneo. Mas o apagão cibernético, pelo qual passou o mundo em julho deste ano, pode requerer, ainda que temporariamente, o recurso ao mundo das anotações manuscritas.

Como disse o poeta Carlo Levi, “O futuro tem um coração antigo.”

 

 

 


[2] Constituição Política do Imperio do Brazil de 1824

Art. 163. Na Capital do Imperio, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Provincias, haverá tambem um Tribunal com a denominação de - Supremo Tribunal de Justiça - composto de Juizes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Titulo do Conselho. Na primeira organisação poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir.

 Art. 164. A este Tribunal Compete:

 I. Conceder, ou denegar Revistas nas Causas, e pela maneira, que a Lei determinar.

 II. Conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias.

 III. Conhecer, e decidir sobre os conflictos de jurisdição, e competencia das Relações Provinciaes.

 

 

[6] Catálogo Histórico do Museu Digital, p. 177

 

 



 

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